“Sonda-me,
ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos. Vê se
há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Salmo 139. 23-24).
No dia em
que fui encontrado por Jesus, sentia-me acorrentado e à venda em um mercado de
escravos. Quando Ele parou no caminho, descobri assustado que Seu olhar não buscava
em mim qualquer utilidade ou interesse. Transbordavam de Seus olhos a mais pura comoção
e o amor. E em Sua compaixão, imediatamente percebi que tinha chegado àquele ponto
por ser um pecador que confiara demais em si mesmo. Um enganador tão bom e tão
ruim, que foi capaz de trapacear a si próprio. Sim, vendido sob o pecado, e vendido
por mim mesmo! Mas Jesus estava ali agora, e eu podia confiar em Seu amor e
misericórdia. Levou-me para casa e fez-me filho de seu grande coração.
Foi assim
no princípio. À semelhança de Pedro, mudo e falido naquela praia após a
ressurreição do Senhor, havia em mim uma confiança inabalável em Deus somente. Com o passar dos anos, porém, pouco a pouco voltei a confiar em mim e em
meus pontos de vista sobre tudo e todos. Não que tivesse passado a desconfiar de
Deus; simplesmente comecei a acreditar em mim primeiro, até que em mim apenas.
Quando estava já bem confiante, correntes se fecharam novamente sobre minha
alma; e tive de gritar por socorro.
Lentamente,
comecei a aprender: cristãos crescidos constantemente se
questionam a respeito de si e de suas atitudes. Amam-se a si mesmos, sem dúvida, mas
não ignoram que ainda são pecadores. Sabem de seu valor, mas notam também o
frequente assédio das tentações sutis, embrulhadas em ótimas desculpas. E por isso mesmo, com frequência agarram seu coração e levam-no à cruz de Cristo, a
fim de tudo examinar à luz da Verdade. Questionam com honestidade se suas
atitudes, desejos e mentalidade já não estão contaminadas pelo egoísmo, pela indiferença
e o orgulho.
Mas… isto não é coisa de gente paranoica e perfeccionista? Não, é exatamente o oposto, é próprio de quem conhece e considera suas imperfeições. Quem não se questiona,
quem não duvida de si, corre sério risco. Quem não discute consigo mesmo deve estranhar-se.
A maturidade (pelo pouco que sei dela) leva o indivíduo a não se impressionar ou contentar-se consigo, a não iludir-se a seu próprio respeito. Longe de ser a paranoia
perfeccionista, não é paranoia porque sabe que tentar ser perfeccionista, sendo
um ser tão imperfeito, pode tornar-se a maior das desgraças. Entretanto, esse autodesconfiar-se evita que o indivíduo se empolgue demais consigo, se faz
algo de bom. A maturidade nunca se maquia para os outros, e sempre é capaz de uma
encarada no espelho, de rosto bem lavado. A tranquilidade do pecador convertido vem de confiar sempre em Deus, e preservar o hábito saudável de continuar suspeitando de si.
Desconfiar
de si mesmo é natural para quem se admite falho mesmo quando não quer, mesmo
quando não percebe. Mas não pense alguém que o tal duvida de si porque
não se acha capaz, ou porque não sabe quem é. Em Cristo sabemos exatamente o
que podemos e quem somos. Ele nos diz quem somos, e Nele podemos. Mas aprendemos também que basta confiarmos um pouquinho em nós mesmos, para sutilmente sermos
dominados e nos tornarmos quem não queremos ser.
Portanto, é
necessário preservar a confiança total que tínhamos no Senhor desde o
princípio. Ele deve nos guiar, e isso requer mais humildade Dele do que de
nós. Mas quanta vida existe nesta bela dependência, e boas surpresas também! Quando assumimos para nós mesmos que somos falhos, e agimos bem conscientes
disto, não significa que detestamos a nós mesmos – pelo contrário, verdadeiramente
passamos a nos amar! Pois aquele que consegue amar a si mesmo apesar das próprias
falhas, finalmente começou a amar-se como Deus sempre o amou!
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