segunda-feira, 7 de julho de 2014

A saudável desconfiança de si mesmo

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos. Vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Salmo 139. 23-24).

No dia em que fui encontrado por Jesus, sentia-me acorrentado e à venda em um mercado de escravos. Quando Ele parou no caminho, descobri assustado que Seu olhar não buscava em mim qualquer utilidade ou interesse. Transbordavam de Seus olhos a mais pura comoção e o amor. E em Sua compaixão, imediatamente percebi que tinha chegado àquele ponto por ser um pecador que confiara demais em si mesmo. Um enganador tão bom e tão ruim, que foi capaz de trapacear a si próprio. Sim, vendido sob o pecado, e vendido por mim mesmo! Mas Jesus estava ali agora, e eu podia confiar em Seu amor e misericórdia. Levou-me para casa e fez-me filho de seu grande coração.

Foi assim no princípio. À semelhança de Pedro, mudo e falido naquela praia após a ressurreição do Senhor, havia em mim uma confiança inabalável em Deus somente. Com o passar dos anos, porém, pouco a pouco voltei a confiar em mim e em meus pontos de vista sobre tudo e todos. Não que tivesse passado a desconfiar de Deus; simplesmente comecei a acreditar em mim primeiro, até que em mim apenas. Quando estava já bem confiante, correntes se fecharam novamente sobre minha alma; e tive de gritar por socorro.

Lentamente, comecei a aprender: cristãos crescidos constantemente se questionam a respeito de si e de suas atitudes. Amam-se a si mesmos, sem dúvida, mas não ignoram que ainda são pecadores. Sabem de seu valor, mas notam também o frequente assédio das tentações sutis, embrulhadas em ótimas desculpas. E por isso mesmo, com frequência agarram seu coração e levam-no à cruz de Cristo, a fim de tudo examinar à luz da Verdade. Questionam com honestidade se suas atitudes, desejos e mentalidade já não estão contaminadas pelo egoísmo, pela indiferença e o orgulho.

Mas… isto não é coisa de gente paranoica e perfeccionista? Não, é exatamente o oposto, é próprio de quem conhece e considera suas imperfeições. Quem não se questiona, quem não duvida de si, corre sério risco. Quem não discute consigo mesmo deve estranhar-se. A maturidade (pelo pouco que sei dela) leva o indivíduo a não se impressionar ou contentar-se consigo, a não iludir-se a seu próprio respeito. Longe de ser a paranoia perfeccionista, não é paranoia porque sabe que tentar ser perfeccionista, sendo um ser tão imperfeito, pode tornar-se a maior das desgraças. Entretanto, esse autodesconfiar-se evita que o indivíduo se empolgue demais consigo, se faz algo de bom. A maturidade nunca se maquia para os outros, e sempre é capaz de uma encarada no espelho, de rosto bem lavado. A tranquilidade do pecador convertido vem de confiar sempre em Deus, e preservar o hábito saudável de continuar suspeitando de si.

Desconfiar de si mesmo é natural para quem se admite falho mesmo quando não quer, mesmo quando não percebe. Mas não pense alguém que o tal duvida de si porque não se acha capaz, ou porque não sabe quem é. Em Cristo sabemos exatamente o que podemos e quem somos. Ele nos diz quem somos, e Nele podemos. Mas aprendemos também que basta confiarmos um pouquinho em nós mesmos, para sutilmente sermos dominados e nos tornarmos quem não queremos ser.

Portanto, é necessário preservar a confiança total que tínhamos no Senhor desde o princípio. Ele deve nos guiar, e isso requer mais humildade Dele do que de nós. Mas quanta vida existe nesta bela dependência, e boas surpresas também! Quando assumimos para nós mesmos que somos falhos, e agimos bem conscientes disto, não significa que detestamos a nós mesmos – pelo contrário, verdadeiramente passamos a nos amar! Pois aquele que consegue amar a si mesmo apesar das próprias falhas, finalmente começou a amar-se como Deus sempre o amou!

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