terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Dias Desiguais

“Não digas: Por que os dias passados foram melhores do que estes? Pois perguntar isso é falta de sabedoria” (Ec. 7.10)

Papai me presenteou um grande quebra-cabeça quando eu ainda era muito pequeno, o qual tenho até hoje, e ainda não o terminei de montar. O começo foi um grande desafio. As primeiras peças sempre são difíceis, não é mesmo? Mas, em volta delas, pouco a pouco, as demais começam a fazer sentido. Algumas peças desse grande quebra-cabeça são muito belas, enquanto outras parecem não fazer qualquer sentido, por muito que se olhe para elas. Algumas peças são cheias de luz e de cores, enquanto outras são escuras e enigmáticas. Houve fases em que estar ali, tentando encaixar cada peça em seu exato lugar, pareceu-me como um desgastante pesadelo. Em outros momentos, porém, confesso que o desafio foi vibrante e prazeroso.

- Que peças estranhas são estas, papai? – perguntei-lhe, certo dia. Ele apenas olhou-me, em silêncio, e eu prossegui: - Acho que vieram erradas, elas não devem fazer parte deste quebra-cabeça. Não se encaixam em lugar algum! Acho que vou jogá-las fora!

- Espere, meu filho. Tem partes que demoram mais para entendermos aonde se encaixam. Mas não jogue fora o que hoje parece não fazer sentido, pois mais adiante isso certamente vai lhe fazer falta! Descartá-las seria falta de sabedoria.

- Mas por que as outras peças foram diferentes destas? As peças lá do começo eram muito mais coloridas e bonitas.

Papai soltou um suspiro e explicou:

- Filho, se todas as peças fossem iguais, do mesmo formato e com a mesma cor, isso não seria um quebra-cabeça, ou seja, ele não teria em si mesmo nenhuma conquista ou segredo a ser revelado no fim. Por isso, não é sábio perguntar por que as peças de antes foram melhores do que estas de agora. Se você se apegar demais às peças de ontem, e largar as de hoje, você vai crescer e ficar velho, sem contudo jamais avançar em seu trabalho de descoberta. Com o tempo, você perceberia que, por mais belas que sejam as peças do seu passado, elas precisam de outras diferentes para que tenham um verdadeiro sentido. Quando a imagem do quebra-cabeça estiver mais perto do fim, você vai entender que foram as peças mais estranhas e escuras que fizeram contraste e acrescentaram brilho ao quadro, exatamente como acontece em uma noite de céu estrelado. Por isso, meu filho, não fique comparando as peças de ontem com as peças de hoje ou de amanhã, porque elas são e precisam ser diferentes. Se fossem sempre iguais, não haveria razão para você e eu estarmos juntos nisto. Mas, à medida que você continuar e ver o que lhe será revelado com a união de todas elas, dirá: valeu a pena! As peças belas precisam das peças feias, porque são as peças feias que fazem você reparar como são belas as belas. Mas beleza de verdade seus olhos verão quando tudo isto aqui tiver terminado. Então, você olhará para tudo e, sorrindo do jeito que eu lhe amo ver sorrir, vai entender e dizer: obrigado, papai, por me presentear o grande quebra-cabeça quando eu ainda era muito pequeno – e por me ajudar a não parar!

Bem, hoje eu estou aqui, escrevendo, e ainda não o terminei de montar. Mas, aos poucos, as pecinhas vão se unindo. E se me afasto por um segundo, posso observar, feliz, que todas elas juntas estão me revelando, pouco a pouco, a face amada do meu senhor Jesus Cristo!

Portanto, desde já, muito obrigado Papai!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Fantástico Milagre de Sempre

Hoje resolvi parar e rever, durante alguns minutos, tudo de bom que tem acontecido em minha vida. Não me interprete mal; escrevo em uma quinta-feira ordinária de Outubro. Nada de especial aconteceu hoje. O dia transcorreu normalmente, e agora está chovendo mais uma vez, aquela chuva miúda e preguiçosa. Há meia hora, comi atum em lata com tomate e ovos. Antes disso, tomando banho, percebi que o xampu está quase no fim. Mas, paralelamente a essas pequenas ordinarices, hoje foi também um dia totalmente mágico.

Coisas incríveis aconteceram desde manhã. Enquanto eu ainda estava dormindo, o universo todo girava e em poucos minutos amanheceu; trata-se de um fenômeno espetacular e até o momento infalível. Depois saí de casa e escapei ileso de mais de uma centena de modos diferentes de morrer. Por alguma razão desconhecida, minha garganta continuou alguns centímetros aberta e pude respirar normalmente. Meu coração pulsou muito bem, o tempo inteiro e sem descanso. Na hora do almoço – veja só que fantástico – tive o privilégio de almoçar. Tive sede também em alguns momentos – não a sede desesperada de quem atravessa um deserto africano – e facilmente achei água para beber. Pude caminhar por aí sem medo de me acertarem com um fuzil ou bazuca, porque não há guerra nas redondezas. Aliás, pude caminhar… não é incrível? Sou tão afortunado que minha reclamação é contra mim mesmo, que preciso emagrecer. Abro os olhos e enxergo. Falam comigo e processo o que querem me dizer, pois consigo entender as pessoas. Pode soar idiota isso, porque para nós funcionar parece extremamente normal… mas não é. Funcionar é um verdadeiro milagre.

Hoje tinha tudo para dar errado, mas após horas de risco imenso estou aqui agora, escrevendo, satisfeito, limpo, abrigado, respirando, e sem dor alguma que me impeça de raciocinar. Tinha tudo para dar errado, as probabilidades eram quase infinitas. Mas milagres aconteceram sucessivamente para que eu estivesse simplesmente sentado neste sofá. Pensando bem, milagres numerosos têm ocorrido consecutivamente durante décadas em minha vida e na história de muitas pessoas que conheço. Apenas um desses milagres já seria motivo suficiente de muita gratidão a Deus, mesmo que os demais não tivessem acontecido. O tempo passou e, por milagre, nós continuamos aqui; mas, infelizmente, acostumados demais com a mágica de estarmos vivos. Cada milagre é digno de uma celebração exclusiva, e milagres que se repetem não deixam de ser milagres.

E é por isso que nesta quinta-feira comum de Outubro, enquanto a chuva perseverante cai do outro lado da janela, sentado neste sofá quero exaltar o Deus maravilhoso. Se algum dia esses milagres não se repetirem mais, não vou me lembrar da rotina perdida para então valorizar e amar o que já não tenho. Mas que Deus nos ajude, que todas as nossas lembranças de dias normais sejam felizes, e no futuro possamos dizer: “Era simples, mas também fantástico; fomos tão ricos que tínhamos até mesmo tudo que precisávamos. E, graças a Deus, a gente soube desfrutar!”.

sábado, 10 de agosto de 2013

Se eu fosse humilde

Ah, se eu fosse humilde! Com certeza teria de orar a Deus constantemente. Oraria porque me reconheceria fraco; oraria desesperadamente, pois sem Ele nada poderia fazer. Se fosse humilde, eu seria a pessoa mais grata que o mundo já viu, dotado da plena certeza de que tudo que tive e tenho na vida – do ar para os pulmões até alguma conquista – foi pura bondade de Deus comigo. Se fosse humilde, eu me sentiria bem menos ultrajado pela vida, por consequência odiaria menos as pessoas que tolhem a minha grandeza. Teria mais paz. Sem a preocupação de impressionar, típica dos arrogantes, teria também mais liberdade para sorrir, e elogiaria com franqueza quem merece. Se fosse humilde, as pessoas que (não sei como) me amam, poderiam amar-me sem medo que as machuque ou despreze. Poxa, quem me dera ser humilde assim!

A vida seria mais bela se eu fosse humilde. Os pobres teriam alguma esperança quando eu passasse. Os velhos poderiam sorrir quando eu os notasse. Seria corajoso ao ponto de abraçar as pessoas, e sentiria misericórdia quando conhecesse um fracassado. Reclamaria menos, e causaria mais mudanças no mundo, todas para melhor. Se fosse humilde, eu teria não sei quantos bilhões de estômagos, um exército de corpos para vestir, e uma infinidade de corações para acalentar. A humildade me daria uma nova matemática, me ensinaria a dividir. Se eu fosse humilde de verdade, teria força suficiente para pedir perdão e para perdoar. Não deixaria que nenhuma ofensa roubasse minha comunhão com as pessoas. Eu conseguiria ouvir os outros e ponderar no que estão me dizendo. Se fosse humilde, sofreria bem menos!

Se eu reparasse menos em mim, desfrutaria das coisas boas com as quais Deus me cercou e não reparo, e notaria também as coisas ruins que Ele espera que eu ajude a mudar. Humilde, não faria descaso da dor dos outros. Eu teria incontáveis professores, e ganharia assim a nobre sabedoria que só vive no humilde coração. Jamais xingaria meus semelhantes, porque eu admitiria que somos semelhantes, e xingar o outro seria o mesmo que xingar a mim mesmo. Se eu fosse humilde, estaria preocupado em amar, não em ser amado, e seria mais feliz assim – pois quem deseja ser amado frustra-se, mas aquele que ama realiza-se em amar. Se eu fosse humilde, minha alma seria livre do fardo do sucesso, da ostentação, de ser o primeiro. A riqueza não conseguiria me escravizar. Eu viveria bem mais com muito menos. A humildade me permitiria viver somente um dia de cada vez, e por isso eu deixaria de ser ansioso.

Se fosse humilde, eu chegaria logo à conclusão de que o melhor que tento fazer não é suficiente aos olhos de Deus, e de que preciso de um salvador que me socorra. E então, cheio de humildade, eu me achegaria aos pés da cruz do homem mais humilde que já pisou na terra, e o chamaria de Mestre e Salvador, sem me preocupar com a opinião de outros arrogantes como eu. Ali diante dele, pela primeira vez na vida, eu choraria todas as lágrimas que meu orgulho tem represado ao longo desses anos. O fardo cairia de minhas costas, e ao ser ali abraçado pelo Mestre dos humildes, eu acharia finalmente descanso para a minha alma tão exausta de mim.

Ah, meu Deus… que me dera ser humilde!

“... aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas” (dito por Jesus, Mat. 11.29)

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O que você quer ser quando ELE crescer?

O que você quer ser quando crescer? Não sei. Cresci, e continuo sem resposta. Que quero ser, agora que cresci? Curiosamente, uma criança! Quando eu era pequeno, queria ser grande; hoje, grande, sinto saudade de ser pequeno. O tempo passou, mas algo em nossa alma deseja ser criança, a criança feliz e simples, deslumbrada com a vida e espontânea de coração. A criança pequena que descansa no Deus imenso. Porque é na alma infantil que Deus se mostra maior. Ele cresce em quem admite ser menor. E Deus crescer em nós verdadeiramente define quem somos e seremos.

Logo, a pergunta que deveríamos fazer é: O que você quer ser quando Ele crescer? Pois, primeiramente, só seremos de verdade se Deus crescer em nós. Quando Ele cresce, ninguém mais continua grande. Isso significa, então, que serei diminuído? Não. Minha ilusão de grandeza, sem dúvida, explodirá como uma bolha de sabão; mas nesta hora, me descobrirei o pequeno que sempre fui. Quando Deus cresce no homem, a humildade entra, e com ela vem a paz. Assim, logo sou pequeno de novo, pequeno como sempre, criança como era, feliz como jamais! Para acessar minha nova e melhor infância, necessito da chave da humildade - a humildade que, paradoxalmente, é a principal marca de gente crescida de verdade.

Toda criança precisa crescer e tornar-se um adulto. Todo adulto, diminuir e tornar-se criança. O evangelho é realmente uma loucura. Contudo, Deus, o Deus-menino, o Deus-homem, é quem mostra tudo isso ser possível, até mesmo a sabedoria na loucura. Eu quero ser criança novamente. Por isso, quando procuro o grandioso e humilde Mestre galileu, encho-me de alegria quando ouço-o a dizer: "Você precisa nascer de novo!". E em Seus olhos, sei que Ele dá-me esse poder, o poder de descomplicar e de recomeçar do zero, o dom extraordinário de recuperar o que um dia o tempo levou.

Há dois mil anos, João Batista, aquele polêmico santo que perdeu a cabeça, tinha razão quando afirmou: "Importa que Ele cresça e que eu diminua!". Jesus, mais tarde, afirmou o grande homem que foi João. Hoje, estamos eu e você aqui... e o que vamos ser quando Ele crescer?

Crianças, é claro!

domingo, 5 de maio de 2013

Pressionado ou Impressionado

Marta e Maria na vila de Betânia, há 2.000 anos. Marta recebe Jesus em sua casa, mas só Maria se assenta aos pés do Mestre para ouvi-lo. Marta quer impressioná-lo com suas obras e desempenho, mas Maria é muito diferente, é bem mais simples. Maria não quer impressioná-lo, quer simplesmente dar-lhe atenção e ouvi-lo - e por isso fica impressionada. Maria só quer uma coisa, e essa simplicidade é poderosa.

Nós, porém, como Marta, achamos ser suficiente convidar Jesus para entrar, mas depois não lhe damos a atenção merecida. Devido ao ritmo frenético de nossas tarefas infindáveis, iludidos pelo hiperativismo global, cujo maior pecado é não sermos escravos do trabalho, achamos que quanto mais fizermos e tivermos, mais nossa ansiedade selvagem será dominada, e nossas preocupações controladas. Contudo, isso é tentar apagar fogo com gasolina. Para não ficarmos mais preocupados, nos preocupamos mais um pouco. O preço para se apagar a ansiedade é mais caro do que o prejuízo causado por ela - e, além disso, é um remédio ineficaz.

Marta, Marta! Você tem trabalhado tanto, você quer ser impressionante! Mas veja o resultado disso: sua alma está cheia de ansiedade e preocupada com muitas coisas! Você tem muitos focos, sua mente é um carrossel absurdo de obrigações, movido por seus medos e orgulhos. Seu coração está em muitas coisas, mas ao fim coisa nenhuma está em seu coração! Quer mostrar para Deus e todos à sua volta que tudo está bem organizado, mas isso compromete sua percepção de que Aquele que um dia foi recebido por você está esquecido dentro de seu lar.

Maria, no entanto, escolhe a boa parte. Seu coração é um coração de uma só coisa. Existem as demais coisas, mas primeiro existe o Reino de Deus e a sua justiça, cujo Rei recebe a prioridade. Tudo que Marta tem e faz um dia lhe será tirado; o maior sucesso na vida não evitará que a sepultura lhe arranque tudo. Mas o que Maria escolhe entra com ela na eternidade. As pessoas mais impressionantes que já viveram no mundo não foram as que mais impressionaram, mas as que assentaram-se aos pés de Cristo e foram mais impressionadas por Ele! Portanto, que nada nesta vida nos faça abandonar Aquele que entrou em nosso coração a convite nosso.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Sem palavras, com amor

Meu pai,

Tem fases que nem sei o que dizer. Em dias assim, lembro-me da cena em que o filho pródigo encontra seu bom pai – ou, na verdade, é por este encontrado, no caminho de regresso para casa. Imagino o filho aparecendo no horizonte, mancando e arruinado, cheirando mal e desfigurado, mil explicações fervilhando, detalhes e propostas na ponta da língua. Mas quando vê o pai correr em sua direção, vindo para levá-lo de volta para onde sua vida nascera e para onde sempre fora destinada a viver, ele esquece de todo o discurso ensaiado à exaustão. O amor desse pai é tão grande que as palavras desse filho se demitem. A graça é graça quando é tanta graça que deixa a gente assim, meio sem graça – mas com todo o resto.

Não que eu seja um pródigo literal neste momento. Mas sempre que te vejo vindo para mim, Pai, é como estar voltando para casa. Pois foi em você que eu realmente nasci, e é somente em você que estou destinado a viver todos os meus dias. Fora de ti eu preciso me valer, e quanto mais fartura ostento, mais miserável vou me tornando. Em você, porém, é muito diferente. Contigo não preciso impressionar, mesmo porque minhas explicações não funcionam. Não preciso de estrelas douradas reluzindo em meu peito, para chamar sua atenção. Porque você é chocante. Você me aceita sem banho tomado, sem perfume caro. Você me abraça sem roupa de marca, sem dinheiro e sem saúde. Você me aceita até sem roupa! De uma maneira que desisti de entender, você parece determinado a me querer. Você me quer, mesmo eu não tendo um bom currículo e estando fora de forma. Você me quer antes mesmo de eu ter escovado os dentes ou lustrado meu caráter meia-sola. E porque você me ama incisivamente eu fico assim, sem palavras, neste pedaço de caminho, e pareço apenas saber chorar. Descubro que, no fundo, é uma boba ilusão eu achar que algum dia terei algo de bom para lhe oferecer, quando nos encontrarmos. E se ainda sou teimoso nisso e me iludo com religião ou com a admiração ou a pena de mim mesmo, você vem e me purifica de tudo, de tudo, para então eu, vazio de discursos, ter condições de receber mais decentemente o teu amor.

Eu te amo! Porque de um modo louco, a minha falência diante de ti tornou-se o maior sinal da prosperidade do teu amor sobre mim! Soa estranho, mas é verdade. Está vendo como eu sou de complicar as coisas belas de serem admiradas e aproveitadas? Mas que este amontoado de letras te beije. Teu maior milagre é me querer de um jeito que torna impossível eu não te querer de todo jeito.

Vou para o Caminho e você aparece no horizonte. Logo me calo, e aprendo a ser amado. O amor desse pai é tão grande que as palavras deste filho se demitem.