sábado, 27 de dezembro de 2014

Realidade e Fantasia - O grande banquete


A visão de mundo para um cristão é tão diferente da normalidade, que se você não for um deles terá a certeza de que enlouqueceram. O conceito de realidade e fantasia é uma amostra disso. Para um ateu, por exemplo, a realidade é o que se pode ver e comprovar. O que foge disso é tido como uma leitura equivocada, uma interpretação falsa da realidade, fruto de ignorância e folclore, de imaginação e de fantasia. Para um cristão, entretanto, este conceito de realidade é que é loucura; ou, no mínimo, um trágico empobrecimento na compreensão da realidade da vida.

Para um cristão, a realidade vai além do que se vê. Esta realidade revela-se muitas vezes, embora constantemente não sejamos capazes de percebê-la ou comprová-la. Se nossas “antenas espirituais” não tivessem sido tão terrivelmente destruídas, naquele evento chamado A Queda, nenhum de nós ficaria duvidoso ou descrente de Deus. Cremos que Ele é real, e nossa deficiência em percebê-lo não prova a Sua divina inexistência. Nossa incapacidade em examiná-lo e compreendê-lo não nos confere autoridade para determinar que Deus é uma de nossas velhas fantasias. Não conseguimos transcender ou esgotar o universo no qual somos um cisco, e nem por isso o negamos. Negá-lo seria, também, negar nossa existência.

O cristão olha para a matéria e, porque crê no Criador, vê, para onde quer que olhe, amostras da realidade que a originou. Toda matéria concentra energia, é fruto de poder. Nascemos, e chegamos a um mundo cheio de energia, poderosamente feito sob medida para que pudéssemos existir. De forma infantil, portanto, o cristão acredita que o presente personalizado que lhe foi enviado e que chegou (de graça) até suas mãos teve sim um remetente.

Viemos ao mundo, como se fôssemos trazidos à mesa de um grande banquete. Logo, cremos que antes de nosso nascimento Alguém construiu a Casa, e adquiriu talheres e utensílios de cozinha, e escolheu meticulosamente cada ingrediente, e se proveu dos eletrodomésticos ou meios necessários para, usando Sua sabedoria e habilidade, preparar o ambiente e pôr a mesa, e temperar cada prato muito bem elaborado. E só então, nos convidar para saborear e desfrutar de tudo, de todo o fruto de Seu trabalho.

O cristão acredita nesta lógica, que por ser lógica não perde seu teor de encantamento. Neste sentido, o cristão crê que a mesa posta na casa edificada é fantástica, mas a lógica implícita nos remete a Alguém. Este raciocínio parece-lhe óbvio, embora maravilhoso. E na alegria que sente, à mesa da Vida, há um profundo senso de gratidão.

Do outro lado da mesma mesa está o descrente. Este, enquanto come e desfruta, admira-se com as leis da química presentes na combustão da chama do fogão, e na cor e odores provenientes da mistura atômica dos ingredientes usados. Enaltece a ciência e a potência dos eletrodomésticos, presentes e envolvidos no processo. Mas descarta a possibilidade de que a casa teve um construtor, e que o banquete seja obra de um habilidoso chefe.

Na cozinha da Existência, cristão e ateu se deliciam com o banquete da vida. O primeiro é grato, e quanto mais saboreia mais vai se enchendo de uma felicidade humilde. Olha em volta e percebe que, desde a louça até os eletrodomésticos sobre a mesa e sobre a bancada – tudo foi operado com precisão. E mais – todo o aparato foi manufaturado pelo Cozinheiro, que é também engenheiro e artista. O cristão, impressionado, olha pela janela e vê lá fora a horta, o pomar e o campo, onde o Artesão das louças e o fabricante dos extraordinários eletrodomésticos cultiva de modo muito especial cada hortaliça, cada semente, cada fruto – Ele plantou, regou, colheu e, com sacrifício e força, preparou o cordeiro servido com muito amor. O cristão olha à volta e percebe que, na realidade, Alguém planejou o banquete todo há muito tempo, longe de seu olhar limitado e muito além de seu parco conhecimento.

Do outro lado da mesa, a admiração é totalmente diferente. O ateu está maravilhado, e tenta entender como tudo aquilo – os ingredientes, os talheres, os eletrodomésticos, a mesa posta e os pratos deliciosos, e até mesmo ele ali, presente na cena – sim, tenta entender como tudo aquilo se organizou e aconteceu a partir de uma grande explosão atômica espontânea. E neste momento, ao perceber a gratidão do cristão do outro lado da mesa, o ateu acha graça e nutre mesmo pelo outro um certo desprezo, pois a crença do cristão de que Alguém sábio e poderoso tenha trabalhado e preparado tudo para e naquele banquete, aos seus olhos críticos não passa de uma ridícula fantasia, sem qualquer fundamento intelectual e lógico.

Ambos se olham, cada qual como se estivesse diante de um louco incapaz de discernir fantasia e realidade. O que o ateu chama de fantasia, o cristão sabe que é a realidade, a partir de onde goteja o que o ateu acha ser a verdade científica absoluta. Para o cristão, a loucura está em como o outro prega a origem da realidade e em como a enxerga. Não há concordância entre ambos. A mesa é grande, e o convite da vida, com todo o seu sabor, está para todos. Mas enquanto o ateu deseja a próxima garfada, o cristão se delicia com a expectativa de abraçar o Dono de Tudo, e agradecer-lhe por toda a Sua fantástica generosidade, bondade e hospitalidade.

E quando surge o Agricultor, o Fazendeiro, o Construtor da casa e Chefe de Cozinha, Fabricante de Tudo e Pai da Vida, o cristão o reconhece – e os dois festejam muito juntos, cada vez mais e para todo o sempre! Pois a grande aventura da vida está na simplicidade fantástica e real da verdade – a verdade que, se conhecemos e experimentamos, é verdadeiramente libertadora!

domingo, 13 de julho de 2014

Entristecidos, mas sempre alegres!


Há tristezas que nos aniquilam toda a alegria, como a tristeza do remorso, da amargura e da revolta, a tristeza da perda ou da pena por si mesmo. São tristezas de morte. Mas há também um tipo de tristeza que é para a vida. No Evangelho, tristeza e alegria, inimigas desde sempre, foram radicalmente conciliadas – e o elo mágico que as conecta é o arrependimento (2 Co. 7.9,10). O Evangelho é a boa-nova de grande alegria, mas que também entristece os Homens aos mostrar-lhes como são pecadores monstruosos. Esta tristeza segundo Deus é importante, pois gera arrependimento. Apesar de sombria e dolorosa, foi projetada pelo Senhor para lançar luz sobre nossas reflexões, a fim de nos arrependermos e entrarmos pelo caminho da realidade, onde a alegria verdadeira nos espera (Ec. 7.2-4).

Portanto, a menos que aceitemos a tristeza que produz mudança de mente e de atitudes, não alcançaremos a alegria. O mundo tenta subir e alcançar o topo da alegria, mas não tem força motriz suficiente para isso. Somente o Evangelho ensina-nos a chegar lá: é preciso primeiro recuar em arrependimento, e então recomeçar. Antes de um monte sempre existe um vale, e se você quiser subir, deve lançar-se sem medo a este vale, deve descer a ele a toda velocidade. Aprendi esse princípio com meu pai, quando viajávamos em família com o velho carro carregado. E é isso que também aprendo com meu Pai celeste, quando viaja com Sua família por este mundo irregular. Só alcança o cume da alegria quem vem embalado com força do vale da tristeza.

Com lágrimas, o Evangelho nos fará ter um coração cada vez melhor, e não devemos estranhar se ele nos conduzir através de tristezas surpreendentes ou imerecidas, nem nos iludirmos achando que embarcaremos nesta jornada rumo à alegria eterna, sem antes nos arrependermos de nossas falsas alegrias pecaminosas.

O Evangelho é a boa notícia de grande alegria, ele nos leva à presença de Deus na qual transbordamos dela (Sl. 16.11). Mas lembremos que este óleo perfumado escorre para nós a partir do Calvário. Quis Deus que o quadro mais alegre fosse pintado com pinceis de tristeza e com tintas de dor, por aquelas mãos transpassadas por grandes pregos. A alegria da salvação nasceu da maior tragédia que o universo já testemunhou. Para o rio da alegria correr pelo mundo inteiro, primeiro a Rocha de sua nascente precisou ser ferida e confessou: “a minha alma está cheia de tristeza até a morte” (Mt. 26.38). Mas tudo isso aconteceu para que, em Cristo Jesus, até o trágico se transformasse em maravilhoso, até a tristeza saltasse de alegria, e até o Calvário se tornasse lugar de riso e de festa, se com humildade imitamos ao Rei sofredor que nos enche de celebração!

E se a alegria dos cristãos tem sua raiz na lástima da maior tragédia que o mundo já viu, que tristeza será capaz de roubar-lhes o sorriso? Por isto, é com razão que eles podem dizer: "Viva a alegria, a alegria que vem da triste cruz! E viva também a tristeza, a tristeza que nos conduz arrependidos ao Calvário do Salvador, fonte inesgotável de nossa alegria invencível"!

“Entristecidos, sim, porém sempre alegres!” (2 Co. 6.10a).

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A saudável desconfiança de si mesmo

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos. Vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Salmo 139. 23-24).

No dia em que fui encontrado por Jesus, sentia-me acorrentado e à venda em um mercado de escravos. Quando Ele parou no caminho, descobri assustado que Seu olhar não buscava em mim qualquer utilidade ou interesse. Transbordavam de Seus olhos a mais pura comoção e o amor. E em Sua compaixão, imediatamente percebi que tinha chegado àquele ponto por ser um pecador que confiara demais em si mesmo. Um enganador tão bom e tão ruim, que foi capaz de trapacear a si próprio. Sim, vendido sob o pecado, e vendido por mim mesmo! Mas Jesus estava ali agora, e eu podia confiar em Seu amor e misericórdia. Levou-me para casa e fez-me filho de seu grande coração.

Foi assim no princípio. À semelhança de Pedro, mudo e falido naquela praia após a ressurreição do Senhor, havia em mim uma confiança inabalável em Deus somente. Com o passar dos anos, porém, pouco a pouco voltei a confiar em mim e em meus pontos de vista sobre tudo e todos. Não que tivesse passado a desconfiar de Deus; simplesmente comecei a acreditar em mim primeiro, até que em mim apenas. Quando estava já bem confiante, correntes se fecharam novamente sobre minha alma; e tive de gritar por socorro.

Lentamente, comecei a aprender: cristãos crescidos constantemente se questionam a respeito de si e de suas atitudes. Amam-se a si mesmos, sem dúvida, mas não ignoram que ainda são pecadores. Sabem de seu valor, mas notam também o frequente assédio das tentações sutis, embrulhadas em ótimas desculpas. E por isso mesmo, com frequência agarram seu coração e levam-no à cruz de Cristo, a fim de tudo examinar à luz da Verdade. Questionam com honestidade se suas atitudes, desejos e mentalidade já não estão contaminadas pelo egoísmo, pela indiferença e o orgulho.

Mas… isto não é coisa de gente paranoica e perfeccionista? Não, é exatamente o oposto, é próprio de quem conhece e considera suas imperfeições. Quem não se questiona, quem não duvida de si, corre sério risco. Quem não discute consigo mesmo deve estranhar-se. A maturidade (pelo pouco que sei dela) leva o indivíduo a não se impressionar ou contentar-se consigo, a não iludir-se a seu próprio respeito. Longe de ser a paranoia perfeccionista, não é paranoia porque sabe que tentar ser perfeccionista, sendo um ser tão imperfeito, pode tornar-se a maior das desgraças. Entretanto, esse autodesconfiar-se evita que o indivíduo se empolgue demais consigo, se faz algo de bom. A maturidade nunca se maquia para os outros, e sempre é capaz de uma encarada no espelho, de rosto bem lavado. A tranquilidade do pecador convertido vem de confiar sempre em Deus, e preservar o hábito saudável de continuar suspeitando de si.

Desconfiar de si mesmo é natural para quem se admite falho mesmo quando não quer, mesmo quando não percebe. Mas não pense alguém que o tal duvida de si porque não se acha capaz, ou porque não sabe quem é. Em Cristo sabemos exatamente o que podemos e quem somos. Ele nos diz quem somos, e Nele podemos. Mas aprendemos também que basta confiarmos um pouquinho em nós mesmos, para sutilmente sermos dominados e nos tornarmos quem não queremos ser.

Portanto, é necessário preservar a confiança total que tínhamos no Senhor desde o princípio. Ele deve nos guiar, e isso requer mais humildade Dele do que de nós. Mas quanta vida existe nesta bela dependência, e boas surpresas também! Quando assumimos para nós mesmos que somos falhos, e agimos bem conscientes disto, não significa que detestamos a nós mesmos – pelo contrário, verdadeiramente passamos a nos amar! Pois aquele que consegue amar a si mesmo apesar das próprias falhas, finalmente começou a amar-se como Deus sempre o amou!

terça-feira, 25 de março de 2014

Por que sofrem os cristãos


Se Deus é Deus, por que sofremos? Não temos todas as respostas, mas é através das aflições que experimentamos o sabor da superação, a textura da resistência, e o poder de nos levantarmos e caminharmos sobre todas as poeiras de nossas ruínas. O Senhor poderia vencer sozinho, mas, se assim fosse, nós não o glorificaríamos como Ele é digno, pois não teríamos a menor noção do sofrimento que há em Sua glória. Deus não é dono de um supermercado, é antes um agricultor. E a fruta tem outro gosto quando regada com nossas lágrimas, ela é mais doce, ela produz cura. A eternidade vai ter mais sabor se sofremos como Ele, se choramos para Ele – vai ter o doce suco eterno de mil alegrias!

Algumas vezes sofremos porque perdemos coisas e pessoas queridas, tiradas de nós cruelmente pela vida; o sofrimento, porém, antecipa certas percepções que de outro modo só teríamos mais tarde, na eternidade. E a percepção de que o nosso Pai celeste é mais do que tudo o que perdidamente amamos, é o maior de todos os achados. O sofrimento nos ensina isso: que a presença do Deus que ama é mais forte do que a ausência de cada coisa, ou de alguém em especial. Sofremos sim, e quando sofremos nós O amamos melhor, porque o sofrimento é a fresta pela qual vislumbramos a grandiosidade do Seu amor sofredor.

Outras vezes o sofrimento é produzido pelas injustiças do mundo. Somos roubados, somos incompreendidos, somos agredidos, somos usados e descartados, inocentes porém culpados, ricos do que vale a pena, mas vezes sem conta ultrajados e jogados na sarjeta da sociedade pelos pecados deste mundo orgulhoso. Contudo, não devemos pensar que tudo é inútil, pois o segredo deixa de ser segredo, e descobrimos que o sofrimento é a velha carruagem que traz até nós a majestosa e humilde presença do Consolador. É através das lentes da dor que santos de todos os tempos, inclusive nós (tão cheios de falhas), tivemos e temos nossa miopia corrigida; e enxergamos de repente a face sorridente de Emanuel, o Deus conosco.

Sofremos porque somos imperfeitos, e quando admitimos nossa imperfeição em meio ao sofrimento, enxergamos melhor quem é O Perfeito que por nós escolheu sofrer. Se não sofrêssemos, isto é, se a dor não cavasse tão duro dentro de nosso peito, a Sua graça não seria tão profunda em nós. Por isso, estão ordenadas aflições a nosso respeito. Ele nos ama de tal modo, excelente e misterioso, que quer que andemos em Seu trilho; e isso não deveria nos causar estranheza. Se estamos indo para a mesma alegria Dele, é somente por amor que Ele nos pôs nas mesmas pegadas sangrentas de Seu Filho.

“Mas alegrem-se à medida que participam dos sofrimentos de Cristo, para que também, quando a sua glória for revelada, vocês exultem com grande alegria.” 1 Pe. 4.13