sábado, 29 de outubro de 2011

Os Semeadores Felizes

Quantas sementes você já plantou com amor, e não deram fruto! Muitas vezes investimos a melhor semente, mesmo na vida de quem deveria tê-la plantado e cultivado em nossa vida - mas simplesmente não dão fruto. É tão duro plantar o que se tem de melhor e depois ficar ali, esperando, esperando, enquanto os anos passam! Chega então um dia em que a gente se dá conta que aquela preciosa semente, plantada com tanta dedicação e tanto sacrifício calado, foi esquecida, não frutificou. Você ficou no sol para plantá-la e regá-la, mas depois ela não brotou e não lhe deu sombra! Lembranças lhe assaltam, de pessoas que amou, acompanhou, instruiu, aconselhou, se sacrificou, e que simplesmente se afastaram e lhe deram as costas. Das pessoas por cujos sonhos lutou, e com quem você chorou de alegria no dia em que elas se alegraram. Mas, de repente, a porta foi batida secamente com você do lado de fora, depois veio a frieza e hoje só resta o grande muro cinza da indiferença. O campo semeado nunca esteve tão árido. Quando você amou mais inteiramente na vida, foi desacreditado, e zombaram do amor que declarou.

No entanto, aqui chorando na presença de Deus, o Espírito Santo fala comigo. Ele me faz lembrar de José naquela cadeia úmida e quente. José dera o melhor de si para seu pai, para seus irmãos, para seu chefe, para o carcereiro, para o copeiro – e o que ele ganhou? José via o tempo passar, ouvindo os sons da rua, as crianças correndo, enquanto ele continuava lá, jogando sementes sem ver frutos. E o que pensar de Elias na caverna? Ele deu suas melhores sementes para aquela nação, e todos viram descer fogo do céu, e depois chuva por sua oração – mas quando ameaçado, ninguém foi por ele, ninguém se dispôs a defendê-lo. Não teve ninguém para ajudar Elias, ninguém que o entendesse de verdade. Ninguém era capaz de amá-lo com o mesmo amor com que ele havia amado.

Em seguida observo Paulo. Suas algemas e cicatrizes, e Demas, seu fiel companheiro de outrora, agora lhe dando as costas e se afastando da cela para nunca mais voltar, indo amar o presente século. E então, subitamente, vejo Maria aos pés da cruz. Olha o que fizeram com a melhor semente da Maria! Olha que crueldade! Por isso ela chorava, e nós também.

E então, o Espírito Santo começa a me falar de Cristo Jesus. Nosso Senhor que doou suas melhores sementes, e acabou sendo negado por Pedro. Pare para pensar! Ele semeou beijos de amor na face de Judas, e colheu um beijo de traição, e bofetadas e cuspidas em sua face. Ele semeou abraços e colheu chicotadas cruéis. Semeou a vida e colheu a morte. Eu estou aqui chorando, meus irmãos, porque ele semeou a vida e colheu a tortura e o assassinato! Ele semeou o importar-se com os outros, e colheu Pilatos lavando as mãos em covardia. O Senhor semeou ensinar e esclarecer as coisas, e colheu ignorância sem medida. Semeou aceitar a todos, e colheu ser rejeitado e odiado. Semeou tocar e curar os outros, e colheu aquela lança perfurando seu corpo indefeso. Mas pior de tudo: ele semeou obediência total à vontade de Deus, e colheu o desamparo de seu Pai amado, naquelas tenebrosas horas de expiação.

Eu ainda não sei por que estou falando tudo isso. Mas saber que os santos homens do passado também sofreram e choraram por tudo isso que hoje nos machuca, me enche de consolação. Acima de tudo, saber que nosso Deus já sentiu tudo que sentimos, e estarmos trilhando um caminho que lhe é bem conhecido, enche-me de paz. Porque Tu sabes, Senhor, o que sinto. Tu sabes, Senhor, que às vezes não sei direito o que estou sentindo! Mas tu sabes, Senhor, tu sabes melhor que eu mesmo! E me dizes que a semente do amor não se mede pelo fruto que vemos, mas pelo fato de que só os bem-aventurados a levam abundantemente em seu alforje!

O verdadeiro sucesso do amor não está na reação que ele provoca, mas no próprio ato de amarmos. Temos amado com todas as nossas forças, é verdade, e não fomos tão amados. Demos o melhor, mas ninguém se importou, e os resultados foram frustrantes - somente porque não entendemos que o sucesso do amor está em tê-lo para dar, e dar, e dar mais uma vez, e depois de tudo ainda tê-lo para dar mais um pouquinho.

O genuíno sucesso do amor está em José chorar de alegria, abraçado com os irmãos que o odiaram e nunca o entenderam. O sucesso do amor está em Elias voltar pelo mesmo duro e solitário caminho pelo qual viera, a fim de abençoar um pouco mais. Está em Davi chorar a morte não apenas de seu amigo Jônatas, mas também a de Saul (seu malfeitor). Está em Paulo se ver sozinho no tribunal hostil, e nessa hora enxergar a coroa de glória que lhe está reservada - e continuar amando pessoas. O sucesso do amor está em Cristo pedir que o Pai perdoe seus assassinos, e cuidar de sua mãe até a última hora. Sim, irmãos de glória, o sucesso do amor, o verdadeiro sucesso do amor, está em nosso Senhor ressuscitado ir para a Galileia, a fim de abraçar a Pedro - mais uma vez, mais um pouquinho!

Ó bendita semente do amor divino! Felizes são os teus semeadores, mesmo quando vão chorando ao longo do íngrime e árido caminho! Pois essa santa semente, independente do solo que a recebe, é a única que produz fruto no coração do que a semeia, no mesmo instante em que é lançada! Vale a pena semear mais um pouco, mesmo com dores, para descobrir um dia que este nosso pobre coração foi feito doce fruto para o Senhor da glória!

sábado, 22 de outubro de 2011

Os Cristãos e o Tempo

O tempo é algo que está dentro da eternidade, certo? Sim, mas para os cristãos a realidade vai além disso. Pois os cristãos são chamados para viver a eternidade dentro do próprio tempo. Fisicamente, todos nós nascemos no tempo, mas os cristãos vão além; pois, desde o dia em que Deus se revelou, eles nasceram na eternidade. Assim, o tempo não é mais a casa, nem uma prisão para os cristãos; é apenas um trecho da estrada pelo qual estão passando. Quando Deus passou a viver neles, eles passaram a viver algo muito maior, a saber: a vida eterna dentro do tempo.

A vida eterna em Cristo é algo extraordinário, é realmente um milagre. Apesar de ser infinita e grandiosa, ela é capaz de viver em algo menor do que ela - isto é, no tempo - assim como Deus é capaz de viver em algo muito menor do que Ele - isto é, em nós, sua humilde habitação. Na verdade, Deus e a vida eterna são uma só coisa, pois a Vida eterna é conhecermos o Pai, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem enviou (Jo 17.3). E quantas menos limitações temos para nossa intimidade com Ele, mais da vida eterna desfrutamos. É por isso que quando a limitação do tempo e da corrupção desta carne não existirem mais, desfrutaremos plenamente da vida eterna com Cristo. O cristão, portanto, vive algo maravilhoso no presente, e com a perspectiva de viver algo ainda melhor a cada dia. Não teme a morte, pois ela o liberta do tempo para a eterna comunhão com o Amado. E por não temer a morte, valoriza mais a vida - cada minuto dela.

Os filhos de Deus vivem intensamente o agora, exatamente porque seu coração não está enraizado no presente. Entendem que o tempo está a seu favor, é algo valioso, um professor que lhes foi dado. Os cristãos enxergam as coisas a longo prazo, e por isso não se iludem com os cintilantes apelos passageiros, nem com as ofensas ou decepções do hoje. Eles amam o que é eterno, amam a Palavra de Deus, amam pessoas porque sabem que as coisas passam, mas as almas perduram. Os cristãos aprendem, aos pés do Mestre Jesus, que o tempo todo é preciso planejar e tomar decisões a longo prazo, pois sabem que os atos e as palavras daqui terão ressonância eterna.

E vivendo dessa maneira, os cristãos são as pessoas mais incompreendidas do nosso tempo, pois estão sempre construindo, tomando decisões e vivendo a longo prazo - justamente por saberem que o mundo pode acabar a qualquer momento!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A Dupla Dependência

Nesses anos de caminhada, tenho visto duas maneiras pelas quais aprendemos a depender de Deus. A primeira é quando a vida conspira implacavelmente contra tudo que somos, fazemos ou planejamos, nos esmagando e diminuindo, até sermos reduzidos ao pó de nós mesmos. São meses (às vezes anos) intermináveis, em que o trem sai dos trilhos e as situações se transformam em espelhos, diante dos quais confessamos nossa falência. São noites de más notícias, quando as despensas mais secretas da alma ficam vazias de suprimentos e respostas, e a solidão canta com um timbre irregular e estranho. São descompassos terríveis, lugares sem sentido, desencontros lastimáveis, preços impraticáveis, trocas em que todos saem perdendo.

Ali precisamos depender. Ali admitimos que somos fracos e estamos nas mãos de Deus, e tememos. Dependemos porque só podemos depender, porque não temos outra escolha, nem outra resposta – nada além nos resta, nada é tudo o que temos. Descobrimos que só Cristo tem as palavras de vida eterna. Por isso dependemos Dele, em tudo, e por isso somos gratos, por tudo, agraciados por tudo que temos – embora, se olharmos bem, tenhamos tão pouco! Mas como é multiplicado esse pouco! Repartimos o que quase não temos com muitos, e depois todos somos saciados com alegria… como isso é possível? Fomos arremessados na dependência, e o nome do Senhor é glorificado.

A segunda maneira pela qual dependemos de Deus está ligada à primeira. Acontece quando a vida se lembra que é nossa, que nos conhece, e para de nos ferir. A neve derrete, alguma paz começa a florescer, e sonhos sepultados acordam de sua longa hibernação. Surpresas extraordinárias começam a se amontoar à nossa porta. Logo percebemos que existe inteligência na origem de bençãos que nos tem como seu destino. De fato, Deus as enviou como um presente muito particular para nós. Em pouco tempo começamos a ter condições, erguemos a cabeça, as notícias são boas, puxamos ar fresco. As cordilheiras da dor ficaram para trás, e na planície adiante já podemos discernir árvores e fontes.

E então, de repente, nos damos conta de que podemos escolher. Temos agora várias opções diante dos olhos e ao alcance das mãos, e nossos desejos fazem o coração dançar um fervoroso sapateado no palco peitoral. Mas é ali, nessa hora feliz, que os humildes decidem depender. É no cenário da possibilidade de suas próprias escolhas, que os dependentes de Deus escolhem permanecer no caminho da dependência! Diferente do plano natural, tal dependência não tem relação com a impossibilidade. Esses cristãos poderiam não depender – mesmo assim escolhem fazê-lo. Dependem de Deus não porque são incapazes; antes, a maior capacidade está neles, pois são capazes de escolher depender humildemente da vontade, do tempo e do jeito divino para eles! No plano sobrenatural, depender é sinônimo de maturidade, não de fraldas.

Assim, no muito que agora lhes foi dado a possuir, pouco lhes pertence, tudo continua sendo de Deus. Apesar dos ventos favoráveis conspirarem para a sua independência, não se deixam iludir e decidem prosseguir com o mesmo coração de antes. Só uma coisa mudou: dessa vez, eles mesmos se atiraram e mergulharam voluntariamente na dependência - e o nome do Senhor é, portanto, muito mais glorificado!