domingo, 13 de julho de 2014

Entristecidos, mas sempre alegres!


Há tristezas que nos aniquilam toda a alegria, como a tristeza do remorso, da amargura e da revolta, a tristeza da perda ou da pena por si mesmo. São tristezas de morte. Mas há também um tipo de tristeza que é para a vida. No Evangelho, tristeza e alegria, inimigas desde sempre, foram radicalmente conciliadas – e o elo mágico que as conecta é o arrependimento (2 Co. 7.9,10). O Evangelho é a boa-nova de grande alegria, mas que também entristece os Homens aos mostrar-lhes como são pecadores monstruosos. Esta tristeza segundo Deus é importante, pois gera arrependimento. Apesar de sombria e dolorosa, foi projetada pelo Senhor para lançar luz sobre nossas reflexões, a fim de nos arrependermos e entrarmos pelo caminho da realidade, onde a alegria verdadeira nos espera (Ec. 7.2-4).

Portanto, a menos que aceitemos a tristeza que produz mudança de mente e de atitudes, não alcançaremos a alegria. O mundo tenta subir e alcançar o topo da alegria, mas não tem força motriz suficiente para isso. Somente o Evangelho ensina-nos a chegar lá: é preciso primeiro recuar em arrependimento, e então recomeçar. Antes de um monte sempre existe um vale, e se você quiser subir, deve lançar-se sem medo a este vale, deve descer a ele a toda velocidade. Aprendi esse princípio com meu pai, quando viajávamos em família com o velho carro carregado. E é isso que também aprendo com meu Pai celeste, quando viaja com Sua família por este mundo irregular. Só alcança o cume da alegria quem vem embalado com força do vale da tristeza.

Com lágrimas, o Evangelho nos fará ter um coração cada vez melhor, e não devemos estranhar se ele nos conduzir através de tristezas surpreendentes ou imerecidas, nem nos iludirmos achando que embarcaremos nesta jornada rumo à alegria eterna, sem antes nos arrependermos de nossas falsas alegrias pecaminosas.

O Evangelho é a boa notícia de grande alegria, ele nos leva à presença de Deus na qual transbordamos dela (Sl. 16.11). Mas lembremos que este óleo perfumado escorre para nós a partir do Calvário. Quis Deus que o quadro mais alegre fosse pintado com pinceis de tristeza e com tintas de dor, por aquelas mãos transpassadas por grandes pregos. A alegria da salvação nasceu da maior tragédia que o universo já testemunhou. Para o rio da alegria correr pelo mundo inteiro, primeiro a Rocha de sua nascente precisou ser ferida e confessou: “a minha alma está cheia de tristeza até a morte” (Mt. 26.38). Mas tudo isso aconteceu para que, em Cristo Jesus, até o trágico se transformasse em maravilhoso, até a tristeza saltasse de alegria, e até o Calvário se tornasse lugar de riso e de festa, se com humildade imitamos ao Rei sofredor que nos enche de celebração!

E se a alegria dos cristãos tem sua raiz na lástima da maior tragédia que o mundo já viu, que tristeza será capaz de roubar-lhes o sorriso? Por isto, é com razão que eles podem dizer: "Viva a alegria, a alegria que vem da triste cruz! E viva também a tristeza, a tristeza que nos conduz arrependidos ao Calvário do Salvador, fonte inesgotável de nossa alegria invencível"!

“Entristecidos, sim, porém sempre alegres!” (2 Co. 6.10a).

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A saudável desconfiança de si mesmo

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos. Vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Salmo 139. 23-24).

No dia em que fui encontrado por Jesus, sentia-me acorrentado e à venda em um mercado de escravos. Quando Ele parou no caminho, descobri assustado que Seu olhar não buscava em mim qualquer utilidade ou interesse. Transbordavam de Seus olhos a mais pura comoção e o amor. E em Sua compaixão, imediatamente percebi que tinha chegado àquele ponto por ser um pecador que confiara demais em si mesmo. Um enganador tão bom e tão ruim, que foi capaz de trapacear a si próprio. Sim, vendido sob o pecado, e vendido por mim mesmo! Mas Jesus estava ali agora, e eu podia confiar em Seu amor e misericórdia. Levou-me para casa e fez-me filho de seu grande coração.

Foi assim no princípio. À semelhança de Pedro, mudo e falido naquela praia após a ressurreição do Senhor, havia em mim uma confiança inabalável em Deus somente. Com o passar dos anos, porém, pouco a pouco voltei a confiar em mim e em meus pontos de vista sobre tudo e todos. Não que tivesse passado a desconfiar de Deus; simplesmente comecei a acreditar em mim primeiro, até que em mim apenas. Quando estava já bem confiante, correntes se fecharam novamente sobre minha alma; e tive de gritar por socorro.

Lentamente, comecei a aprender: cristãos crescidos constantemente se questionam a respeito de si e de suas atitudes. Amam-se a si mesmos, sem dúvida, mas não ignoram que ainda são pecadores. Sabem de seu valor, mas notam também o frequente assédio das tentações sutis, embrulhadas em ótimas desculpas. E por isso mesmo, com frequência agarram seu coração e levam-no à cruz de Cristo, a fim de tudo examinar à luz da Verdade. Questionam com honestidade se suas atitudes, desejos e mentalidade já não estão contaminadas pelo egoísmo, pela indiferença e o orgulho.

Mas… isto não é coisa de gente paranoica e perfeccionista? Não, é exatamente o oposto, é próprio de quem conhece e considera suas imperfeições. Quem não se questiona, quem não duvida de si, corre sério risco. Quem não discute consigo mesmo deve estranhar-se. A maturidade (pelo pouco que sei dela) leva o indivíduo a não se impressionar ou contentar-se consigo, a não iludir-se a seu próprio respeito. Longe de ser a paranoia perfeccionista, não é paranoia porque sabe que tentar ser perfeccionista, sendo um ser tão imperfeito, pode tornar-se a maior das desgraças. Entretanto, esse autodesconfiar-se evita que o indivíduo se empolgue demais consigo, se faz algo de bom. A maturidade nunca se maquia para os outros, e sempre é capaz de uma encarada no espelho, de rosto bem lavado. A tranquilidade do pecador convertido vem de confiar sempre em Deus, e preservar o hábito saudável de continuar suspeitando de si.

Desconfiar de si mesmo é natural para quem se admite falho mesmo quando não quer, mesmo quando não percebe. Mas não pense alguém que o tal duvida de si porque não se acha capaz, ou porque não sabe quem é. Em Cristo sabemos exatamente o que podemos e quem somos. Ele nos diz quem somos, e Nele podemos. Mas aprendemos também que basta confiarmos um pouquinho em nós mesmos, para sutilmente sermos dominados e nos tornarmos quem não queremos ser.

Portanto, é necessário preservar a confiança total que tínhamos no Senhor desde o princípio. Ele deve nos guiar, e isso requer mais humildade Dele do que de nós. Mas quanta vida existe nesta bela dependência, e boas surpresas também! Quando assumimos para nós mesmos que somos falhos, e agimos bem conscientes disto, não significa que detestamos a nós mesmos – pelo contrário, verdadeiramente passamos a nos amar! Pois aquele que consegue amar a si mesmo apesar das próprias falhas, finalmente começou a amar-se como Deus sempre o amou!