sexta-feira, 15 de março de 2013

Sem palavras, com amor

Meu pai,

Tem fases que nem sei o que dizer. Em dias assim, lembro-me da cena em que o filho pródigo encontra seu bom pai – ou, na verdade, é por este encontrado, no caminho de regresso para casa. Imagino o filho aparecendo no horizonte, mancando e arruinado, cheirando mal e desfigurado, mil explicações fervilhando, detalhes e propostas na ponta da língua. Mas quando vê o pai correr em sua direção, vindo para levá-lo de volta para onde sua vida nascera e para onde sempre fora destinada a viver, ele esquece de todo o discurso ensaiado à exaustão. O amor desse pai é tão grande que as palavras desse filho se demitem. A graça é graça quando é tanta graça que deixa a gente assim, meio sem graça – mas com todo o resto.

Não que eu seja um pródigo literal neste momento. Mas sempre que te vejo vindo para mim, Pai, é como estar voltando para casa. Pois foi em você que eu realmente nasci, e é somente em você que estou destinado a viver todos os meus dias. Fora de ti eu preciso me valer, e quanto mais fartura ostento, mais miserável vou me tornando. Em você, porém, é muito diferente. Contigo não preciso impressionar, mesmo porque minhas explicações não funcionam. Não preciso de estrelas douradas reluzindo em meu peito, para chamar sua atenção. Porque você é chocante. Você me aceita sem banho tomado, sem perfume caro. Você me abraça sem roupa de marca, sem dinheiro e sem saúde. Você me aceita até sem roupa! De uma maneira que desisti de entender, você parece determinado a me querer. Você me quer, mesmo eu não tendo um bom currículo e estando fora de forma. Você me quer antes mesmo de eu ter escovado os dentes ou lustrado meu caráter meia-sola. E porque você me ama incisivamente eu fico assim, sem palavras, neste pedaço de caminho, e pareço apenas saber chorar. Descubro que, no fundo, é uma boba ilusão eu achar que algum dia terei algo de bom para lhe oferecer, quando nos encontrarmos. E se ainda sou teimoso nisso e me iludo com religião ou com a admiração ou a pena de mim mesmo, você vem e me purifica de tudo, de tudo, para então eu, vazio de discursos, ter condições de receber mais decentemente o teu amor.

Eu te amo! Porque de um modo louco, a minha falência diante de ti tornou-se o maior sinal da prosperidade do teu amor sobre mim! Soa estranho, mas é verdade. Está vendo como eu sou de complicar as coisas belas de serem admiradas e aproveitadas? Mas que este amontoado de letras te beije. Teu maior milagre é me querer de um jeito que torna impossível eu não te querer de todo jeito.

Vou para o Caminho e você aparece no horizonte. Logo me calo, e aprendo a ser amado. O amor desse pai é tão grande que as palavras deste filho se demitem.