Tem
fases que nem sei o que dizer. Em dias assim, lembro-me da cena em
que o filho pródigo encontra seu bom pai – ou, na verdade, é por
este encontrado, no caminho de regresso para casa. Imagino o filho
aparecendo no horizonte, mancando e arruinado, cheirando mal e
desfigurado, mil explicações fervilhando, detalhes e propostas na
ponta da língua. Mas quando vê o pai correr em sua direção, vindo
para levá-lo de volta para onde sua vida nascera e para onde sempre
fora destinada a viver, ele esquece de todo o discurso ensaiado à
exaustão. O amor desse pai é tão grande que as palavras desse
filho se demitem. A graça é graça quando é
tanta graça que deixa a gente assim, meio sem graça – mas com todo o
resto.
Não
que eu seja um pródigo literal neste momento. Mas sempre que te
vejo vindo para mim, Pai, é como estar voltando para casa. Pois foi
em você que eu realmente nasci, e é somente em você que estou
destinado a viver todos os meus dias. Fora de ti eu preciso me valer,
e quanto mais fartura ostento, mais miserável vou me tornando. Em
você, porém, é muito diferente. Contigo não preciso
impressionar, mesmo porque minhas explicações não funcionam. Não
preciso de estrelas douradas reluzindo em meu peito, para chamar sua
atenção. Porque você é chocante. Você me aceita sem banho
tomado, sem perfume caro. Você me abraça sem roupa de marca, sem
dinheiro e sem saúde. Você me aceita até sem roupa! De uma maneira
que desisti de entender, você parece determinado a me querer. Você
me quer, mesmo eu não tendo um bom currículo e estando fora de
forma. Você me quer antes mesmo de eu ter escovado os dentes ou
lustrado meu caráter meia-sola. E porque você me ama incisivamente
eu fico assim, sem palavras, neste pedaço de caminho, e pareço
apenas saber chorar. Descubro que, no fundo, é uma boba ilusão eu
achar que algum dia terei algo de bom para lhe oferecer, quando nos
encontrarmos. E se ainda sou teimoso nisso e me iludo com religião
ou com a admiração ou a pena de mim mesmo, você vem e me purifica
de tudo, de tudo, para então eu, vazio de discursos, ter condições de
receber mais decentemente o teu amor.
Eu
te amo! Porque de um modo louco, a minha falência diante de ti
tornou-se o maior sinal da prosperidade do teu amor sobre mim! Soa
estranho, mas é verdade. Está vendo como eu sou de complicar as
coisas belas de serem admiradas e aproveitadas? Mas que este
amontoado de letras te beije. Teu maior milagre é me querer de um
jeito que torna impossível eu não te querer de todo jeito.
Vou
para o Caminho e você aparece no horizonte. Logo me calo, e aprendo
a ser amado. O amor desse pai é tão grande que as palavras deste
filho se demitem.