sábado, 27 de agosto de 2011

A Divina Interdição

“Tu me cercas por detrás e por diante, e sobre mim pões tua mão” (Sl 139.5)

Nossa mente transita muitas vezes pelo tempo, ora buscando fatos e feitos passados, ora projetando coisas em um futuro que ainda não é. Buscamos muitas matérias no passado, mas o que mais resgatamos de lá são as memórias ruins. Enquanto isso, vindos do futuro, medos e sofrimentos ainda não existentes estão constantemente atacando e prejudicando o presente. Desse modo, tentamos nos deslocar e viver três tempos em um só – mas acabamos não vivendo o único possível e real: hoje.

Cedo ou tarde, nos damos conta de que nossa vida está sendo vivida sem a nossa presença. Ela está murcha de realidade porque nos ausentamos da cadeira do presente, nos evadindo para um passado muito bom ou muito amargo, ou viajando falsamente para um futuro irreal; ou ainda, simplesmente nos exilando em uma centena de fantasias atuais. Assim, vagueamos e vagueamos, até que nossa vida inteira se torna vaga e mortalmente à deriva.

Pedimos, então, que Deus nos oriente, e somos ouvidos. Mas, de repente, temos a sensação de que nossa vida ficou desconexa e descontinuada. Como uma criança conduz uma formiga, bloqueando sua rota com a mão, assim o Senhor nos vai conduzindo. Às vezes parece pouco espiritual. Sua mão de cuidado nos envolve, forçando-nos a caminhar sobre o presente, mesmo que a caminhada seja desconfortável; logo planejamos fugir. Ali, no escuro da concha da mão divina, perdemos a plena compreensão de nosso passado; ali tampouco antevemos nosso futuro com a clareza de outrora. Tudo que enxergamos agora é o agora, tudo que podemos viver é o hoje apenas. Fomos privados das grandes projeções de antigamente, incapazes de descrever ao menos nossa exata localização atual. Ali aprendemos a viver, terrivelmente, um passo e um dia de cada vez.

Contudo, é na Sua mão que estamos, as mesmas que foram atravessadas por nos amarem.

E nessa hora a fé nos revela que fomos interditados por amor, e que o passado e o futuro foram restringidos para o nosso bem. Do passado o Senhor vetou o trânsito de toda espécie de amargura, rancor, feridas, e todas as antigas palavras estúpidas que guardávamos como se fossem de estimação. A partir de agora, do passado deve vir somente lenha para nossa gratidão a Deus. Quanto ao futuro, a santa mão está barrando todas as toneladas de ansiedade, nervosismo, pessimismo e medo, que costumam entulhar nosso hoje. Daqui para frente, só deve vir do futuro para o presente a maravilhosa esperança da glória.

E quando olhamos para o céu, vemos que Sua mão foi posta sobre nós não para oprimir, mas para em amor nos proteger das fantasias presentes, que vem para roubar toda realidade do agora – ó bondoso Telhado da graça! Realmente, nós precisamos muito da nossa realidade de cada dia, seja ela fácil ou difícil, pois acima de tudo Jesus Cristo é real, e Ele se manifesta a pessoas reais em situações reais... hoje!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

As dores e a Eternidade


Todos nós fugimos, afoitos e desnorteados, de tudo quanto faz nosso coração doer e suspirar de angústia. O problema é que, ao fugirmos da dor, acabamos correndo diretamente em sua direção. Ao fugirmos dela e a evitarmos a qualquer preço, sem perceber tomamos caminhos e decisões que nos conduzem a angústias e a dores muito piores! Toda vida que não tolera qualquer espécie de agravo, e se guia apenas pelo prazer próprio, toma caminhos que sempre se revelam confusos e interminados; e que levam a nada, pois quem antes o construía logo percebeu ser sacrificial demais continuar a construção.

Na verdade, o caminho que leva à dor foi aberto e alargado por caminhantes apressados que, estranhamente, acreditavam estar fugindo dela. Tais descobriram que, no fim de certos prazeres passageiros, lhes aguardava uma grande dor – e ela não era passageira. Quando uma pessoa orienta sua história a fim de eliminar todo tipo de dor, parece que a dor se torna autora dessa história; até que a história é interrompida e, de repente, desaparece da terra. A fuga da dor conduz a dores crônicas insuportáveis. Não há nada mais doloroso do que viver fugindo da dor.

Meditando nisso, deparo-me com a cruz de Jesus Cristo, e seu chamado para que eu também tome a minha. Qual é meu primeiro reflexo? Fugir rapidamente! Porque vai doer. Porque vai me levar a ser levado de mim mesmo, de meu egocentrismo cujo ídolo é o meu prazer. Porque vai fazer-me passar por horas de angústia. No entanto, não posso fugir, pois qual será meu fim se fugir? Lá na frente a dor me destruirá, se eu quiser destruí-la e negar a cruz que devo levar. Entendo, assim, que as dores são importantes, pois elas nos aguçam a visão do caminho certo; mas se nos voltarmos e fugirmos delas, acabaremos todos cegados.

Apesar da tentação da fuga, não posso deixar a dor determinar minha história, nem ser a senhora de minhas decisões. Ela poderá ser a pena com que a história sofrida dos cristãos é escrita – mas só Deus é o autor! O único meio de vencer a ação destrutiva das dores e angústias é suportá-las bem. No plano mais glorioso do universo, as histórias que permanecem, as histórias eternas, histórias das quais o mundo não é digno e que alegram o coração de Deus, são sempre aquelas de pessoas que firmaram o pé e permaneceram, suportando o que tivesse de ser suportado, se essa fosse a vontade de Deus; ali, sem fugir. O caminho da cruz escreve, com penas pontiagudas e dolorosas, histórias dignas de memória eterna.

Independente do julgamento alheio e até mesmo dos benefícios visíveis e imediatos, o cristão deve sempre ter a certeza de que nada apagará a força extraordinária de seu gesto de obediência – simples mas maravilhoso, breve mas eterno! Daqui a milhões de anos, quando não houver mais contagem de tempo nem tempo, nos lembraremos com alegria dos dias e das noites de dor bem suportadas aqui. Nosso Deus, igualmente e desde já, se alegra com seus filhos decididos a enfrentar a dor e a angústia por obediência ao Pai, munidos de canções, de entrega e abnegação – às vezes ajoelhados e exaustos, às vezes em silêncio e com lágrimas secretas.

Mas mesmo quando este mundo os julga miseráveis e infelizes, e toma seu ilusório caminho indolor, os filhos de Deus jamais permitem que a dor escreva suas histórias e determine suas rotas. Pois eles estão indo para Deus, peregrinos de pés sangrentos, mas totalmente decididos no rumo de seu lar, prosseguindo na força do Espírito Santo. E quando do céu Deus assim os contempla, o bondoso coração do Pai se delicia e aquece ainda mais:

“Olhe... olhe para eles, Filho! Eles estão, finalmente, ficando parecidos com Você!”.